
Contratar e liderar pessoas é uma das partes mais desafiadoras — e transformadoras — da vida de quem tem um escritório de arquitetura. Não é só sobre contratar bons profissionais, é sobre criar um ambiente produtivo, treinar de forma eficaz e aprender a delegar sem perder qualidade.
Neste artigo, compartilhamos a nossa experiência prática sobre gestão de equipe para arquitetos: quando contratar, quem contratar, como treinar e como estruturar a rotina para o escritório fluir sem sobrecarregar ninguém. Tudo com base no que vivemos ao longo dos anos, testando, errando e ajustando até encontrar um modelo que realmente funciona.
1. O momento certo de contratar
Um dos maiores erros que muitos escritórios cometem é contratar no desespero. A demanda cresce, os prazos apertam e a solução imediata parece ser “colocar alguém para ajudar”. Mas esse é o cenário mais perigoso para se contratar. Porque quando o escritório está em caos, não há tempo para treinar, e a nova pessoa acaba entrando em um ambiente desorganizado, sem estrutura nem clareza de processos.
Contratar bem exige antecipação. É preciso perceber o crescimento antes do colapso. Treinar alguém leva tempo, e ninguém vai render plenamente na primeira semana. Por isso, o ideal é planejar a contratação quando você ainda tem fôlego para ensinar e acompanhar. Assim, o novo integrante entra em um ambiente saudável e produtivo — e a adaptação é muito mais leve para todos.
O erro de contratar no desespero
Quando você contrata em um momento de aperto, não só o rendimento do novo funcionário é prejudicado, como também a percepção dele sobre o escritório. Uma empresa desorganizada afasta bons talentos. Já vimos isso acontecer: a pessoa aceita o emprego, mas em um mês pede para sair porque não aguenta o caos. Ou seja, o tiro sai pela culatra.
Por isso, toda contratação precisa acontecer dentro de um escritório que já esteja minimamente estruturado. E, se não estiver, o foco deve ser organizar antes de trazer gente nova.
2. Contratar estagiários: nosso segredo de crescimento
Dentro da arquitetura, os estágios são uma das formas mais inteligentes de formar talentos. No nosso escritório, tivemos uma experiência muito mais positiva contratando estagiários do que arquitetos já formados. Todos os profissionais efetivos que temos hoje começaram como estagiários — e isso fez toda a diferença.
Por quê? Porque quem começa com a gente aprende desde o zero o nosso padrão, a nossa metodologia, o nosso jeito de pensar. Não precisa “desaprender” hábitos de outros lugares. E isso cria uma cultura sólida, que cresce de dentro para fora.
Por que contratamos sempre dois estagiários por vez
Desde o começo, o Ralf implantou uma regra que parecia exagerada na época, mas se mostrou genial: nunca contratar um estagiário sozinho. Sempre dois. Porque o estágio é um período de adaptação, e muitos desistem no primeiro mês. A faculdade pesa, a rotina é puxada, e às vezes não é o momento da pessoa.
Quando contratamos em dupla, garantimos que, mesmo que um desista, o outro segue o fluxo. E, no melhor dos cenários, ficamos com duas pessoas excelentes. Além disso, um estagiário serve de referência e estímulo para o outro. É uma troca que acelera o aprendizado.
Outro ponto importante: contratamos estagiários que buscam experiência antes mesmo da obrigatoriedade da faculdade. Isso mostra vontade e proatividade — características que valorizamos muito. A idade ou o semestre importam menos do que a atitude.
3. Treinar do jeito certo (sem perder tempo explicando mil vezes)
Treinar alguém exige paciência e método. No início, nós mesmos gastávamos muito tempo explicando padrões, processos, nomenclaturas e formas de trabalho. E, claro, cada funcionário novo exigia o mesmo investimento de tempo. Até que percebemos que precisávamos de um sistema replicável.
Foi daí que nasceu o nosso curso interno, o GPS da Obra. Ele começou como uma forma de treinamento para a equipe do escritório. Gravamos nossos processos, explicações, modelos de projeto e padrões internos. Assim, todo novo funcionário entra, assiste aos vídeos e aprende na prática, enquanto executa. Isso reduziu drasticamente o tempo de adaptação e padronizou o resultado.
Hoje, as dúvidas que surgem são muito mais específicas de projeto — e não sobre “como o escritório funciona”. Essa automação de treinamento economizou um tempo enorme e garantiu que todos aprendam de forma consistente.
Degraus de aprendizado
No nosso escritório, ninguém começa criando. A criação é o último degrau que o funcionário atinge. Primeiro, aprende a parte técnica — leitura de projetos, elaboração de executivos, planilhas, quantitativos. Só depois, quando domina a base, passa a participar de processos criativos. Afinal, ninguém cria bem sem conhecer profundamente a parte técnica.
4. Equipe multidisciplinar: todos sabem fazer tudo
Outro ponto que transformou nossa gestão de equipe foi abandonar a ideia de “setorizar”. Por muito tempo, é comum ver escritórios onde uma pessoa faz apenas executivos, outra apenas renders, outra só atende clientes. No papel, parece eficiente. Na prática, cria gargalos.
A demanda em arquitetura é sazonal: há meses com dezenas de executivos e outros com foco em criação. Se cada um sabe apenas uma coisa, o escritório trava. Por isso, nós montamos uma equipe multidisciplinar — em que todos sabem fazer tudo. Cada integrante domina as etapas do processo, desde a concepção até o detalhamento técnico, passando por renderização, atendimento e relacionamento com fornecedores.
Essa estrutura nos deu flexibilidade. Se o volume de executivos aumenta, todos migram para essa demanda. Se o foco é criação, todos participam. E isso mantém o escritório produtivo e coeso o ano inteiro.
O impacto do software único
Durante muito tempo, trabalhamos com dois softwares: Revit para arquitetura e SketchUp para interiores. Isso gerava desencontros de informação e insegurança entre as equipes. Com o tempo, desenvolvemos um método próprio e migramos tudo para o SketchUp + Layout, inclusive a parte de arquitetura.
Isso unificou os processos, aumentou a confiança da equipe e eliminou barreiras. Hoje, ninguém depende de ninguém para mexer em um arquivo. Todo mundo trabalha no mesmo ambiente e entende o fluxo do começo ao fim. Essa integração tornou o escritório mais ágil e colaborativo — e os projetos mais consistentes.
5. Como estruturamos a liderança dentro do escritório
Mesmo com uma equipe horizontal e colaborativa, é fundamental ter responsáveis claros por cada projeto. No nosso caso, cada novo projeto tem uma arquiteta líder. Essa líder é uma profissional formada, com mais experiência, e tem a função de acompanhar o cliente do início ao fim.
Ela participa das principais reuniões, faz a ponte entre cliente e equipe e distribui as tarefas entre estagiários e outros arquitetos. As dúvidas, ajustes e correções passam primeiro por ela antes de chegar até nós. Isso reduz drasticamente a sobrecarga da direção e mantém o fluxo organizado.
Como funciona na prática
Cada líder acompanha de perto seus projetos e clientes.
Reuniões semanais alinham entregas, pendências e prazos.
Estagiários se reportam às líderes, e as líderes se reportam a nós.
As primeiras revisões e correções são feitas pela líder — o material chega até nós praticamente finalizado.
Esse formato de gestão intermediária criou um filtro de qualidade. As líderes não apenas supervisionam, mas também formam as novas gerações de profissionais. Elas se tornam multiplicadoras de cultura e padrão de qualidade.
6. Aprendendo a delegar (de verdade)
Aprender a delegar foi uma das mudanças mais difíceis — especialmente no campo da criação. No começo, parecia impossível entregar essa responsabilidade a alguém. Afinal, a criação carrega a identidade do escritório, o estilo, a assinatura. Mas, com o tempo, aprendemos que delegar não é abrir mão, é multiplicar.
Hoje, a criação pode começar com uma líder, mas nada sai do escritório sem nossa aprovação. Participamos das reuniões de conceito, revisamos apresentações e fazemos ajustes finais. É um equilíbrio entre confiar na equipe e garantir que o resultado mantenha o DNA do escritório.
Aprender a dar feedbacks sinceros também foi essencial. No início, tínhamos receio de parecer duros ao dizer que algo não estava bom. Hoje, entendemos que clareza é respeito. Um retorno honesto é o que faz a equipe evoluir.
7. Cultura presencial e sinergia
Em tempos de home office, muita gente nos pergunta por que optamos por manter o trabalho 100% presencial. A resposta é simples: a sinergia do dia a dia faz diferença. Estar junto acelera o aprendizado, melhora a comunicação e fortalece o senso de equipe.
Gostamos de um ambiente onde todos possam se levantar, trocar ideias, mostrar a tela, pegar o mouse do colega e resolver algo em minutos. Essa convivência constante cria um ritmo coletivo, e o desenvolvimento profissional acontece naturalmente. Claro, isso é uma escolha de cultura — não há certo ou errado —, mas para o nosso modelo, o presencial é essencial.
8. Envolvimento com obras e aprendizado contínuo
As líderes de projeto também participam das obras. Quando o cliente contrata o serviço de integração de obra, são elas que fazem as visitas semanais, acompanham fornecedores e relatam o andamento. Isso aproxima o time da realidade de execução — e traz um aprendizado valioso que volta para o projeto.
Quem acompanha obra aprende detalhes que não estão em nenhum livro: encaixes, interferências, erros de execução, soluções criativas. E essa vivência prática reflete diretamente na qualidade dos próximos projetos. A teoria e a prática passam a caminhar juntas.
9. Crescimento em degraus e autonomia progressiva
Nosso modelo de equipe é baseado em degraus. Cada pessoa evolui conforme domina as etapas. O estagiário começa com tarefas técnicas simples, depois avança para projetos executivos, depois para atendimento e, por fim, criação. Isso cria um crescimento natural e estruturado, onde cada conquista vem acompanhada de preparo.
Essa progressão dá segurança tanto para o colaborador quanto para o escritório. Ninguém pula etapas, e todos têm clareza sobre o que precisam desenvolver para avançar.
10. Ferramentas e processos que sustentam tudo
Além do GPS da Obra como ferramenta de treinamento, criamos rotinas fixas que mantêm o escritório em ritmo. Temos reuniões semanais de alinhamento com as líderes, planilhas de acompanhamento de projetos, checklists e pastas padronizadas.
Isso permite que, mesmo com várias pessoas envolvidas, o padrão visual e técnico seja sempre o mesmo. O cliente percebe consistência — e isso é resultado direto da gestão de equipe bem feita.
Conclusão
Montar uma equipe de arquitetura produtiva é um processo de amadurecimento. Exige paciência, método e humildade para ajustar o que não funciona. Hoje, depois de tantos testes e aprendizados, entendemos que o segredo está no equilíbrio entre controle e liberdade: dar autonomia com responsabilidade, treinar com clareza e delegar com confiança.
Um escritório cresce de verdade quando o dono para de fazer tudo e passa a formar pessoas que façam com ele. É isso que garante sustentabilidade, qualidade e tempo para focar no que realmente importa: criar.






